Final Fantasy XVI: prazeroso detrimento // .TXT


Do meu primeiro contato com Final Fantasy já se vão mais de 20 anos, desde que inseri um disco no PlayStation (que nem meu era) e fiquei encantado com as músicas, visuais e enfim a trajetória de uma trupe encabeçada por Zidane Tribal. FFIX foi, como dizem, amor à primeira vista. O que passei no PS1 serviu também de afirmação quanto a apreciação do gênero em seu perfil mais fantasioso e medieval e, ainda que não tenha jogado todos os FF enumerados, uma certeza de que buscaria mais daqueles mesmos elementos. RPGs eram definitivamente um favoritismo meu. 

Por mais que tenha atravessado gerações e conhecido outras facetas de Final Fantasy, havia um lembrete claro de que cada um era a sua própria coisa. Tanto faz se você comece pelo décimo ou terceiro jogo, as suas histórias e protagonismos são em suma apartados e, mesmo que diante de certos praxes, cada capítulo tende a repensar certos aspectos de sua fórmula. Todavia, durante muitos anos FF foi sinônimo dos turnos, de uma jogabilidade mais cadenciada em prol da estratégia partida de cada escolha do jogador. Mediante a introdução das barras ATB em FFIV porém, ou do inglês Active Time Battle, nascera uma urgência para as decisões: se você não fizesse alguma ação assim que possível, seus inimigos tomariam iniciativa. 

Final Fantasy IV: Pixel Remaster

A partir de FFXV a então Square Enix optou por se distanciar dos turnos de vez e tornar as coisas mais próximas de RPGs seus como Kingdom Hearts. Ou seja, o imediatismo dos jogos de ação fazia agora parte do DNA principal da série. Mesmo que o título tenha problemas que vão além do seu sistema de batalha, essa novidade ainda assim teve uma implementação que não me cativou tanto quanto os turnos, ou mesmo as batalhas em tempo-real de FFXII; o nível estratégico estava sendo diluído, dando literalmente vez para características mais simplificadas (ou superficiais); a magia no décimo quinto episódio e aqui, no 16º, são exemplos do que considero um demérito, permitindo ao jogador poucas opções ao invés de um vasto leque de possibilidades em níveis mais avançados.

Quando anunciaram que Final Fantasy XVI seguiria um caminho parecido, ou, na verdade, que seria o primeiro "RPG de ação" de verdade da franquia, confesso  que não fui um dos mais empolgados com a notícia. A experiência anterior certamente ajudou a formular esse pré-conceito, mas é feliz poder afirmar que a jornada de Clive em seu mundo, Valisthea, é melhor concebida que o universo fragmentado de Noctis em FFXV. Ainda se trata de, como o título desse texto diz, um prazeroso detrimento, ou de um capítulo que me divertiu e emocionou  –  algo que levo muito em consideração –  mesmo sentindo uma perda quando comparado ao que FF já conseguiu me entregar e despertar no passado.

Mas se cada Final Fantasy existe dentro do seu próprio universo e regras, compará-los torna-se um tanto quanto desnecessário, certo? É um paradoxo interessante de atravessar, porém, como fã, é impossível deixar de apontar questões evolutivas que incrementam ou diminuem das experiências que seu nome agrega; trata-se de enxergá-lo sob um escopo mais amplo. Afinal, muitos que como eu já terminaram múltiplos FF têm suas preferências por razões específicas. 
A questão é que a direção que FFXVI trilhou é uma que, creio, ainda foi criada sob o conceito de que a "ação vende mais". É verdade que por um tempo os números me faziam enxergar uma disparidade do que era obtido por vias tradicionais, a dos turnos, quando comparado aos títulos de ação, mas vender mais não quer dizer se tratar de algo melhor. As variáveis para definir se um jogo é bom ou não são inúmeras e incluem, além de tudo, gostos pessoais; é uma questão totalmente subjetiva e particular, então não deixe nem eu, notas ou milhões de cópias vendidas te dizerem o contrário – vá, conheça e tire suas próprias conclusões! Deadly Premonition é um dos melhores jogos já feitos, você não concorda!?

Dito tudo isso, eu passei 71 horas ao lado de FFXVI. Um tempo considerável mas que acima de tudo atestou minha afeição com o RPG. Todo o conceito que gira em torno dos Eikons e Dominantes, ou o que conhecíamos como summons e pessoas que aqui podem usar de seus poderes (e até mesmo se transformar nas próprias invocações), respectivamente, me instigou a concluir a história principal e ir além. Valisthea traz uma ambientação mais sombria em que os cristais e a magia, elementos tão intrínsecos à série, moldam uma narrativa sobre privilégios, escravatura e uma maldição para todos os povos que ali habitam. É acima de tudo sobre irmandade, redenção e, bem, certos clichês quando o assunto são RPGs japoneses  ou  "JRPGs", se preferir. 

A jornada de Clive Rosfield vem acompanhada de perdas e sacrifícios, além de ser uma que reflete a contestação de um destino fatídico. Gera um peso emocional bem grande em seus momentos finais, mostrando um protagonismo de determinação inabalável. É um herói que eu realmente gostei de interpretar, uma pessoa de bom coração que luta pelo bem alheio e enxerga, dada as suas capacidades singulares, responsabilidades para com muitos e não apenas a si mesmo e seus objetivos pessoais. Por mais que o jogo aborde momentos específicos da vida de Clive, gostaria que mais tempo fosse dedicado à sua juventude e para a fase de seu crescimento até que o Escudo da Fênix atingisse a maioridade.

Clive e Joshua Rosfield, irmãos cujos destinos já estão traçados

Uma das coisas que mais senti é que FFXVI é um jogo obstinado a contar sua história, tornando-se uma experiência que mesmo quando mais abrangente ainda parece estar guiando o jogador para algum lugar, sem dar muito espaço para que se possa realmente ser surpreendido enquanto solto no mundo. E digo isso independente dos marcadores ativos, eles que me denunciavam aonde ir, o que fazer e com quem falar; mesmo com eles desligados acredito que não teria mudado muito minha opinião. Valisthea ainda assim é um lugar de paisagens lindas, que contrastam com outras mais escassas e até mesmo sem vida; porém, de recordação, é também um dos locais menos instigantes de serem desbravados, me fazendo retornar a um mesmo local apenas quando tinha alguma missão paralela ou caçada a realizar. Até a Ivalice de FFXII que tem suas áreas segmentadas, e também intercala locais menores com maiores, foi algo mais atrativo lá no PS2; a situação aqui só não é pior do que o que vivenciei em FFXIII que, embora tente contrariar sua linearidade próximo aos capítulos finais, é majoritariamente direto ao ponto.

As decisões da Creative Business Unit III, a mesma equipe responsável por FFXIV, o MMORPG de grande sucesso da Square Enix, parecem contrastar com as recepções e críticas relacionadas ao jogo anterior. Logo, ao invés de aderir ao famigerado mundo aberto, os desenvolvedores optaram por algo com mais controle, com o mapa completo de Valisthea sendo acessado através de uma seleção simples como ocorre em RPGs estratégicos  –  e muitos outros do gênero, na verdade. Sinto falta de uma transição mais natural entre os cenários, de ver e entender que aquela é a divisa entre uma região e outra, que ali ou acolá residem monstros mais poderosos e por isso devo tomar mais cuidado; contudo, como disse, as coisas são mais diretas aqui. Aliás eu poderia ter encurtado minha passagem pelo título em cerca de metade do tempo se tivesse focado apenas na campanha principal, mas como encontrei diversão e estava engajado com os personagens e propósitos, depositei mais 36 horas sobre a média do How Long to Beat para me aventurar um pouco mais.

Arte do Sacro Império de Sanbreque, lar de um dos colossais Cristais-Máter

Mas das sidequests que realizei, muitas tendem a cair no esquecimento dada a simplicidade. Ainda é sobre buscar coisas para alguém e matar inimigos específicos, restando a algumas poucas, que contextualizam e enriquecem suas próprias narrativas, valerem um investimento de tempo maior. Em todo e qualquer RPG eu gosto de confrontar monstros poderosos, então participar das caçadas foi a tarefa opcional que mais curti. Infelizmente há muita repetição quando o assunto são designs inimigos, e quando achava que ia me deparar com algo inteiramente novo e inesperado, acabava indo de encontro a uma variação de algo já tinha derrotado antes; me faz lembrar da época do NES e as variações de cores que RPGs da época traziam em meio ao seu bestiário, mas a gente está falando de um período muito mais limitado que o de hoje.

E uma vez que entramos nesse mérito, vamos aproveitar para tocar no tópico sobre o sistema de batalha. Apesar das minhas preferências, eu também gosto de RPGs de ação, logo, a ideia de ter um "Final Fantasy com cara de Devil May Cry" me deixou ainda assim entusiasmado. E aqui estou citando Ryota Suzuki descaradamente. E é realmente estiloso a forma com que Clive desfere magias e espadadas aqui, alternando entre poderes de elementos diferentes ao seu bel-prazer. Tudo isso seria mais animador sem um porém: os inimigos não entregam desafio. Mesmo quando busquei mais dificuldade no conteúdo opcional, o que consegui foram inimigos de níveis maiores que se tornaram mais trabalhosos por conta de HP e danos superiores; os padrões permaneciam fáceis de contornar, me restando algumas poucas tentativas a mais para derrotá-los. O modo que escolhi jogar aliás foi o da "ação", que se diz mais difícil que o focado em "história", mas a verdade é que desafio com D maiúsculo inexistiu. Consegue imaginar como foi a última batalha? Pois é, uma lástima.

Não quero soar elitista, longe de mim. Mas me foi implicada uma nítida falta de equilíbrio. Chega até a dar dó dos inimigos com o tanto que Clive consegue fazer em pouco tempo, sem que haja uma reação adversária à altura. É tudo muito bonito de ver, cinematográfico, e até legal de combinar, mas também superficial e, após um tempo, cansativo e repetitivo. As partes transformado, ou sob a forma "Eikônica", reforçam tal sentimento, ainda mais pelas nuances que trazem com outros gêneros como os de tiro sob trlhos (rail shooters), além de quick time events básicos e já datados.

Mas se FFXVI se perde em certos aspectos, ele brilha em outros. Seu maior feito pra mim está nas composições de Masayoshi Soken, com músicas que catapultam situações críticas a momentos ainda mais emocionantes. É um daqueles casos em que o produto final certamente não seria o mesmo se não tivesse o toque de um determinado elemento, nesse caso o da sua trilha sonora; é semelhante ao que Yoko Shimomura fez a FFXV com primor. Eu até já tinha ouvido algumas faixas de FFXIV criadas por Soken e curtido bastante, mas ele se reafirma um excelente músico do âmbito medieval e faz coro a outros que me deixam intrigado com o futuro musical não só de Final Fantasy, como demais RPGs da casa.

The Hideway, uma das minhas músicas favoritas de FFXVI

Por mais pessimista que meu texto possa soar, eu encontrei diversão com Final Fantasy XVI. É em resumo um jogo bonito, gostoso de ouvir e com uma história interessante de acompanhar, mas cujas partes ainda assim denotam o perfil de um RPG que preferiu favorecer uma ação, narrativa e mundo mais direcionados do que a interpretação ao jogador em si. Final Fantasy continua sendo um nome que me causa inquietação, daí um dos motivos que me fizeram comprar o PS5. Enquanto ele represente coisas diferentes para pessoas diferentes, o décimo sexto capítulo não deixa de ser, como eu disse, um detrimento prazeroso de tudo que já vivenciei sob sua alcunha.

Nota 6 de 10Brincadeira.

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Esse texto foi publicado originalmente no meu Medium, STAGE DRIFTER, onde busco falar sobre jogos e outros tópicos que me interessam de uma forma mais livre.


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