TRIANGLE STRATEGY e sua guerra de convicções // .TXT


Final Fantasy Tactics ainda é reverenciado como um dos maiores RPGs da história e do PlayStation, ele que levou a série ao plano tático e para um ótimo casamento com toda a fantasia criada pela franquia oitentista. Apesar das jornadas Advance da série Tactics, lançadas a ambos GBA e DS, já fazia muito tempo que o nome da Square Enix não era vinculado com um estratégico original, de teor similar e longe do mercado mobile – isso até a chegada de Triangle Strategy no Nintendo Switch. Quando anunciado em 2021 eu fiquei extremamente empolgado pela possibilidade de passar horas e horas duelando sobre grades, me envolver em conflitos de um reino fantasioso e ver o desfecho de tudo que me fosse apresentado. A felicidade abundante era reflexo de tudo que passei em Ivalice, terra e palco de Final Fantasy XII, Vagrant Story e, bem, todos os Final Fantasy Tactics. Diferente das iterações "nintendistas" porém, ou dos títulos que marcaram a reconciliação entre Nintendo e a então Square Enix, Triangle Strategy é uma estratégia mais madura em termos narrativos e que me colocou diante de decisões bastante difíceis ao longo das horas que passei ao seu lado. 

Ao falarmos sobre “JRPGs” acho que é normal esperar, em termos de desenvolvimento narrativo, por algo mais arbitrário. Sim é sim, não é não. Os próprios Final Fantasy Tactics são exemplos de jogos que não permitem trilhar caminhos significativos fora da trajetória principal, de moldar a narrativa central ao tomar decisões distintas. Essa regra, vamos assim dizer, fica geralmente reservada para a parcela ocidental do gênero, vide o ovacionado The Witcher 3: Wild Hunt. É aí então que rola uma das maiores e mais gratas surpresas de Triangle Strategy: o poder de decisão e a influência que as escolhas possuem à história e seus personagens. O mundo de Norzelia é dividido entre três poderosos reinos que já entraram em guerra num período conhecido como Saltiron War, uma disputa, em resumo, que envolve o controle sobre matérias primas indispensáveis para a vida de seus habitantes. Após anos em conflito chegamos num momento de paz entre GleenbrookAesfrost Hyzante – além de todas as casas vassalas e menores que compreendem cada região – mas, como é de se esperar, a ambição vai abrindo portas para o retorno de desavenças e com isso a chance de uma nova guerra. No decorrer da história há porém momentos chaves que precisam de uma decisão, cabendo ao jogador, interpretando Serenoa Wolffort, o protagonista principal dessa trama, usar um artefato chamado “Balança da Convicção” em que MoralidadeUtilidade Liberdade são pesadas por meio de votação para decidir o caminho a ser seguido; o destaque é que cada membro do grupo votante têm uma opinião e cabe também a nós persuadi-los ao que consideramos correto.


Tal dinâmica, que ainda envolve explorar/investigar mapas em busca de informações em prol de nossos argumentos, é fantástica. Nem sempre consegui convencer o grupo a acatar minhas escolhas, mas durante os seus votos, embora ficasse claro quem eu consegui persuadir e quem não, rolava uma apreensão uma vez que certas situações são bem críticas. A apreciação desse elemento é justamente ser colocado contra a parede por conta de escolhas árduas, e mesmo quando sentia que estava fazendo o bem, o certo, sentia também que estava pagando um preço muito alto por isso; ficava um gosto agridoce na boca, pois havia muito a se ganhar e perder mediante uma decisão. Esse recurso engloba aquele famoso fator “replay”, a vontade de recomeçar ao passo que deixei de vivenciar situações diferentes, de ver outras linhas de diálogo e também de encontrar mais pessoas à minha causa; é uma experiência que tranquilamente me faria triplicar a quantidade de horas investidas para ver tudo – e confesso que essa é uma ideia que pretendo concretizar já que o RPG me marcou tanto.

Entre os três Final Fantasy Tactics já lançados há uma diferença no tom, mas Triangle Strategy volta-se mais para o original de Yasumi Matsuno lançado ao PS1 em grau de seriedade – ainda que o toque mais jovial e colorido dos jogos lançados aos portáteis da Nintendo não atue como demérito às suas experiências, confesso. Na verdade, o desejo dos desenvolvedores e do produtor Tomoya Asano foi entregar uma estratégia mais adulta que, embora não tenham citado como referência direta, traz uma nítida inspiração nos trabalhos de George R.R. Martin ou, mais especificamente, seu Game of Thrones. Há traição, preconceito, ambição, intrigas e outros tópicos abundantes nas tramas do escritor, mas a ambientação medieval, a relação entre reis e casas subordinadas, sem contar momentos específicos dos caminhos trilhados, também me fizeram lembrar de Westeros. Não chega nem perto da abordagem visceral de Martin, muito longe disso, entretanto mesmo sob uma visão mais sutil ela foi competente em transpassar maturidade, despertar emoção, revolta e incentivar o envolvimento pelas causas que os personagens defendem.

Contudo uma das ressalvas que tenho com relação ao enredo refere-se ao próprio protagonista, Serenoa. Pra mim em determinados momentos ele demonstrou uma passividade grande diante do que ocorria, permitindo que outros tomassem as rédeas das situações. Eu quero acreditar que isso pode (e deve) estar vinculado com o caminho que optei, mas ainda assim a falta de imposição dele em momentos relevantes me incomodou pois já tinha superado tantos obstáculos e momentos difíceis com sua equipe; faltou um pulso mais firme, ou linhas de diálogo que demonstrassem uma imposição maior diante do que estava em pauta. Serenoa não era o mesmo do início da jornada, tratava-se de alguém mais importante para a casa Wolffort e toda Norzelia, uma pessoa com muito mais responsabilidades e vivência. Apesar de certas estranhezas eu gosto do personagem, ele é uma pessoa de boa índole e consegui encontrar coerência ao interpretá-lo pensando “acho que ele seguiria por esse caminho mesmo” diante do que me era apresentado de sua personalidade. Você pode direcioná-lo para decisões mais moralmente questionáveis? Sim, afinal o jogo te dá essa possibilidade, mas creio que dificilmente me espantaria com algo que o descaracterizasse por completo. Posso estar enganado, por conta das ramificações narrativas que deixei abertas, mas acho difícil.

Mantendo o tópico sobre personagens, existe um grupo fixo ou de principais além de Serenoa. Mesmo não me alongando sobre cada um em específico, os achei distintos entre si. FredericaBenedict e Roland são três exemplos que deixaram isso bem claro pois são eles que representam os pilares da “Balança da Convicção”. O que ajuda esse conceito é o fato do SRPG também desenvolver seu elenco de acordo com suas evoluções e uso. Apesar de não ser uma novidade ao gênero, essa parte de acompanhar mais das história de cada membro da party, que é opcional, enriquece tudo e me instigou a conhecê-los melhor. Enquanto outros táticos vejam o uso de muitos personagens genéricos para compor um exército, sem uma origem ou algo do tipo a se levar em consideração, aqui temos arquétipos fechados; para um jogo tão narrativamente dependente considero essa decisão muito acertada e, embora sinta falta de poder personalizar mais cada membro, eu tenho à disposição pessoas com convicções diferentes, que buscam objetivos pessoais enquanto auxiliam Serenoa por uma Norzelia pacífica e justa. Além disso cada personagem possui um papel bem específico em campo, e mesmo que dois possam usar um cajado mágico, por exemplo, não quer dizer que desempenharão exatamente o mesmo papel ou com a mesma eficácia – e aí está outra razão que me faz querer retornar ao título, ou de ver todos aqueles que não consegui incluir no meu time.


Acredito que até aqui está claro o quanto me apaixonei por esse jogo e, além dos pontos antes citados, também tem a parte técnica da coisa toda. Essa pegada retrô-contemporânea que jogos sob a tecnologia gráfica “HD-2D” recebem me deixa em plena nostalgia, como se diante de títulos nascidos ao Super Nintendo ou PlayStation. Meu primeiro jogo assim foi justamente aquele que estreou essa mistura de polígonos com pixel-art, Octopath Travelere há um charme muito singular que me faz querer explorar quase que de imediato cada novo anúncio da Square Enix com o mesmo estilo. O apelo que esse grafismo tem é imenso pois sempre gostei da combinação das três com as duas dimensões – e a admiração por Ragnarök Online e Breath of Fire IV não me deixariam mentir –, mas há um esmero na composição dos cenários além de efeitos especiais que reforçam estarmos diante de um jogo desenvolvido aos dias atuais e não o contrário. Ah, como eu amo ver e acompanhar os efeitos da chuva, magias e habilidades especiais nesse título!

Unindo-se ao visual bastante agradável temos as músicas de Akira Senju, compositor mais conhecido por atuar em outras mídias como animes (vide a trilha sonora de Fullmetal Alchemist: Brotherhood). Akira, assim como REVO, são dois exemplos de renovação à Square Enix e seu portfólio musical, são escolhas que exemplificam uma necessidade de dar vez a outros artistas nunca antes vinculados com seus jogos e de sair da mesmice – ainda que nomes como Hitoshi Sakimoto, Nobuo Uematsu, Yoko Shimomura e Yasunori Mitsuda sejam atemporais. Akira encontra um balanço entre tons medievais e bélicos e entrega um trabalho contemplável e, aproveitando a deixa, me deixa na expectativa de ouvir mais de seus sons em RPGs futuros – hoje ele seria pra mim a escolha perfeita para substituir Koichi Sugiyama, compositor falecido ano passado, em Dragon Quest. Da parte sonora também temos a dublagem ocidental que, enquanto muitos ainda possam torcer o nariz, fez um trabalho ao meu ver competente; o resultado positivo também vai de encontro ao esforço que cada ator tem ao lidar com artes estáticas e pixels, ou seja, longe do tom cinematográfico de jogos com capturas faciais e de movimento.

Quando lidamos com RPGs contemporâneos já é esperado uma grande parcela de leitura, um foco narrativo mais enfático do que em outros gêneros. Todavia dentre os estratégicos que joguei Triangle Strategy traz mais história que confrontos propriamente ditos, como se eles ficassem em segundo (ou mesmo terceiro) plano. Isso não chega a ser um demérito, e eu vou explicar mais adiante a razão, contudo esse não é um título pra quem espera, linearmente falando, uma transição muito rápida entre narrativa e batalhas. É possível agilizar tudo para chegar ao ponto cujo foco seja a jogabilidade, acelerando ou mesmo cortando cenas por completo, mas eu fui contrário à utilização desse recurso em demasia – ao menos numa primeira partida – devido a minha mania de conversar com todo mundo, por exemplo. Ainda deixei bastante conteúdo para ler, é verdade, mas além disso há outras partes da história que embora opcionais ajudam a contextualizar aquilo que se está vivenciando sob perspectivas alheias. De qualquer forma depender apenas das batalhas principais para evoluir personagens incrementa a dificuldade, e é aí que entram as "Mock Battles" , ou simulações de embates, com regras específicas e que podem ser repetidas à vontade no acampamento. Isso me faz recordar também da zona de conforto que FFT me proporcionava ao passar horas a fio apenas ganhando experiência descompromissadamente; é possível fazer exatamente a mesma coisa aqui, ao passo que se junta recursos importantes para desenvolver personagens, incluindo habilidades e suas relações. Colocava meus podcasts favoritos para tocar e partia aos duelos, dando assim uma pausa à história, tensões e seu ritmo mais lento.


Para quem já jogou qualquer estratégia sobre grades dificilmente se verá como um estranho no ninho, e isso é algo muito bom embora reflita também um jogo que não tenha ousado tanto. Quando o assunto são RPGs táticos e estratégicos eu tenho esse estilo fixo na cabeça, ainda que outros como Disgaea e suas loucuras, ou mesmo Valkyria Chronicles, exemplifiquem que é possível pensar fora da caixa tanto em questão de combate como movimentação. Talvez o mais diferente aqui seja o fato de não haver MP para os personagens, sendo eles dependentes de TP (Turn Points?) que são, por padrão, recarregados a cada novo turno. Existe sim um cuidado e atenção necessários para se conquistar a vitória, com camadas e possibilidades diferentes, já que, como eu disse, cada personagem desempenha um papel particular em campo – sem contar o uso de acessórios que praticamente garantem outras habilidades. A experimentação também é muito válida e incentivada por conta da inexistência da famigerada morte permanente (permadeath) popularizada por Fire Emblem, ou seja, me vi animado a arriscar formações diferentes e tentar coisas novas. 

Embora possa resumir a jogabilidade como gostosa e viciante, independente dela não ser punitiva ou tão inovadora quanto outras, e essas são duas características que ao meu ver não desmerecem em nada o pacote completo criado, eu não me considero um bom estrategista. Em muitos casos perdi diversos membros da equipe, algumas vezes apenas um deles, e recomeçava toda a partida; queria repensar minhas ações, agir de maneira diferente e mais minuciosa. Isso deu margem para descobrir novas combinações entre os personagens, de atuar melhor em determinado terreno/local ou de simplesmente pensar mais no que fazer antes de “mover minhas peças”. Amo jogos de turnos uma vez que me sinto instigado a colocar a cabeça para funcionar e não atender apenas ao imediatismo que os de ação requerem.
Mesmo agora enquanto termino esse texto a vontade de voltar para Norzelia é gigantesca, de buscar os demais finais e ver se o gosto ruim que ficou pelo que alcancei some ou ao menos ameniza. Ainda que uma plataforma rica em clássicos a chegada de Triangle Strategy ao Switch me marcou ao ponto de colocá-lo no mesmo patamar dos maiores nomes do console híbrido, como o consagrado The Legend of Zelda: Breath of the Wild – e isso quer dizer muita, muita coisa! Fica também a expectativa por todos os futuros projetos da Square Enix, Artdink e Tomoya Asano (produtor), incluindo os já confirmados remakes HD-2D de Live A Live e Dragon Quest III – ambos que, diga-se de passagem, mal posso esperar para jogar.


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Antes exclusivo do Switch hoje Triangle Strategy pode ser jogado também no PC, via Steam. Apesar de não faltar ótimos RPGs para as plataforma eu realmente destaco esse como uma das melhores opções do gênero disponíveis. Lembrando que há uma demonstração cujo progresso pode ser levado à versão final.

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